Esse é momento para os Conselhos decidirem como será o trabalho do futuro
É sabido que as empresas e o trabalho estão mudando rapidamente. Daí a identificar onde estão as mudanças e como agir e reagir a elas é outra história. Alguns gestores e colaboradores desalentados exprimem desconforto em frases como “está mudando mesmo, fazer o que?”; “com a tecnologia, tudo será diferente”; e até a definitiva “como saber o que vem pela frente?” Outros são entusiastas dos novíssimos modelos de trabalho, especialmente nas empresas mais jovens e inovadoras. Como você e sua empresa se posicionam: entusiastas, desalentados, céticos ou cautelosos?
A maior parte das organizações utiliza o planejamento estratégico num horizonte de três a cinco anos, debruçando-se sobre a saúde financeira, mercadológica e operacional dos negócios. Na mesma esfera de diligência, faz sentido e propósito incluir no planejamento os temas ligados ao trabalho, considerando seu impacto na competitividade da empresa.
E quando se fala em planejar esses assuntos, a ideia é ir fundo, tanto nos aspectos mais conhecidos da gestão de pessoas (como remuneração e sucessão, por exemplo), quanto nos formatos e conteúdos do trabalho em si: quais as competências necessárias e como incorporá-las em nossa força de trabalho? Quais as principais tendências impactando nossos negócios? Qual é nossa estratégia para o futuro do trabalho em nossa empresa?
As principais mudanças até 2022
Pensando no período entre 2018 e 2022, algumas tendências e mudanças importantes já foram mapeadas. O Fórum Econômico Mundial publicou um relatório após avaliar mais de 300 empresas, tanto globais quanto representantes de países emergentes, como o Brasil, de todos os setores econômicos, com cerca de 15 milhões de funcionários diretos. Ponto importante: aqui não se tratam de previsões, e sim de projeções.
Como é de se esperar, o chamado “novo mundo do trabalho” se torna realidade de forma acelerada sob a égide da 4a. Revolução Industrial e de um ciclo intenso de desenvolvimento tecnológico, tornando algumas funções redundantes e abrindo espaço para outras novas. O “x” da questão é o que essas tais novas funções terão de novo: competências, escopo, funcionalidades, especialidades?
Segundo o relatório, os principais vetores de mudança até 2022 são de natureza tecnológica, geográfica, modelos de trabalho e novas competências:
- Evolução de tecnologias-chave – internet móvel de alta velocidade, inteligência artificial, big data analytics e infraestrutura em cloud são as tecnologias que continuarão a se desenvolver, facilitando cada vez mais sua incorporação nos negócios. Especialmente em países emergentes, a incorporação potencializa uma série de benefícios para consumidores, clientes, parceiros e colaboradores, fomentando várias cadeias de valor;
- Adoção acelerada de tecnologias – mais de 85% das empresas vão adotar as tecnologias já citadas, além de outras como internet das coisas, realidade virtual, realidade aumentada e aprendizado de máquina, implicando em substanciais investimentos da iniciativa privada;
- Mudanças geográficas nas cadeias de produção e distribuição – 60% dos funcionários acreditam em mudanças relevantes nos processos e nos produtos e serviços em que atuam diretamente. Especificamente sobre os locais de trabalho e operação, 75% das empresas vão priorizar locais com disponibilidade de talentos qualificados para as novas necessidades. Custos e legislação continuam sendo os maiores motivos de preocupação;
- Mudanças nos modelos de contratação – quase 50% das empresas projetam redução dos quadros em tempo integral, enquanto que outras 40% mencionam a ampliação da força de trabalho como resposta às novas demandas. A contratação externa de trabalho especializado, em modelos de terceirização, é uma importante abordagem de extensão da força de trabalho, com funções sendo executadas de forma cada vez mais flexível, remota e descentralizada;
- Competências emergentes – dentre as novas funções e competências com demanda crescente em 2022, estão muitas relacionadas a digitalização e tecnologias, como cientistas de dados, desenvolvedores de aplicativos, especialistas em e-commerce e mídias sociais, especialistas em big data, segurança da informação, robótica e blockchain. Profissões relacionadas a pessoas também devem crescer, como as relacionadas a vendas, marketing, treinamento e desenvolvimento, gestão de cultura e talentos.
Oportunidades e desafios
Ainda segundo o relatório, as novas habilidades implicam em transições de conhecimento e até mesmo de atitudes para milhões de pessoas, dentro e fora do mercado de trabalho. A incapacidade em enfrentar e responder a esse novo contexto pode evoluir para um cenário “perde-perde”, caracterizado por mudanças tecnológicas, escassez de talentos, aumento do desemprego e crescimento das desigualdades.
As empresas e seus administradores têm o dever de se antecipar e apoiar os colaboradores na obtenção das novas qualificações (e não estamos falando apenas dos talentos). A educação corporativa precisa ser repensada, e rápido, para estimular o aprendizado contínuo e a aplicação na prática. A pesquisa Freelancing in America apontou que as capacitações obtidas no trabalho são consideradas como importantes por 95% dos colaboradores terceirizados em contrapartida aos 79% daquelas aprendidas nas universidades.
O trabalho remoto possibilita aos colaboradores liberdade geográfica para a escolha dos melhores lugares para se viver, criar os filhos, continuar a educação, se divertir… Nesse contexto, as cidades passam a competir para atrair, tão ou mais que as empresas, os trabalhadores e empreendedores. O que isso representa?
As empresas vão se mexer fisicamente, diminuindo os escritórios centrais de tamanho. Mais polos regionais e urbanos, organizados em torno de conhecimentos específicos ou centrados em competências vão se desenvolver. Uma nova ordem de incentivos fiscais pode privilegiar cidades e comunidades de acordo com a disponibilidade de talentos e oferta de educação formal, cursos técnicos, laboratórios, feiras e estágios.
O “imperativo da qualificação” nas novas competências técnicas e socioemocionais (pensamento crítico, capacidade de solucionar problemas, criatividade, persuasão e negociação) demandará tempo e investimento de empresas, governos e sociedades, em graus maiores ou menores. A projeção do relatório é que as empresas brasileiras precisarão de nada menos que 100 dias em média para tornar seus profissionais “à prova de futuro”. Onde as empresas encontrarão mais tempo, quando todo o tempo é gasto hoje em sobreviver?
As estratégias que as empresas estão adotando agora
Para continuar competitivas, as empresas estão aplicando várias estratégias para incorporar as novas competências. Segundo o relatório, as mais frequentes são contratar funcionários já capacitados para as novas tecnologias (96%); introdução ou apoio da automação nos processos de trabalho (85%); treinar e retreinar os funcionários (95%).
O mercado continua sendo um provedor de competências específicas para outras estratégias: fazer outsourcing de processos inteiros de negócios (90%) e contratar colaboradores temporários e freelancers (80%). Até mesmo a redundância estratégica de algumas funções relevantes está sendo usada (77%), mostrando como o assunto é crítico e merece investimentos nas empresas.
O que fazer?
Se nosso horizonte de futuro é 2022, precisamos acertar o rumo e o passo. A questão não é se as mudanças ocorrerão e se nos afetarão: elas vão acontecer, de forma mais intensa do que estamos preparados e vão nos atingir. Os Conselheiros precisam continuar zelando pelos valores das organizações enquanto endereçam estratégias para desbravar o admirável mundo novo do trabalho.
Não há espaço para posturas desalentadas, elas podem levar a resultados frustrantes. Exatamente porque o assunto é importante, todo cuidado é necessário, para que as ações sejam tomadas – e elas devem ser tomadas – de forma consciente e efetiva.
Como fazer isso? Incorporar os temas do trabalho com uma visão de futuro em suas análises e incluir ações propositivas nos planejamentos estratégicos de médio e longo prazos. É preciso abrir espaço para o trabalho do futuro nas reuniões de Conselho, debatendo com executivos, especialistas e consultores. Deve-se exigir que comitês de pessoas, de estratégia, de transformação digital, de inovação discutam e levem insumos para os Conselheiros. Como você e sua empresa estão vendo estas questões? Já têm estratégias específicas? Vamos debater essas e outras questões com uma nova perspectiva.